domingo, 10 de janeiro de 2010

quinta-feira, 24 de setembro de 2009


I. DA TRISTEZA
Não quero inventar tristeza para ser aquilo que pensam que sou.
Meus olhos denunciam tudo.
Não preciso ser chumbo para viver como aquilo que pensei ser
Vou ser aquilo que sou
inventando sorrisos e lágrimas
sem remeter ao homem primeiro que instituiu as malditas sensações que só ele sentiu.


II. DA FELICIDADE
Não quero inventar alegria para ser aquilo que pensam que sou.
Meus olhos denunciam tudo.
Não preciso ser oca para viver como aquilo que pensei ser
Vou ser aquilo que sou
inventando lágrimas e sorrisos
sem remeter ao primeiro homem que instituiu as alheias sensações sentidas só por ele.


III. DESQUADRICULANDO OU DA PALAVRA
Teses mostram-me as verdades do mundo, não as minhas, minha tristeza é felicidade, minha lágrima é alegria, não sei o que sinto mas sinto, chorar e rir me é redundância, meus paradoxos são apenas papel, tudo que sou é, sou tudo que é, sou a noite sou a lua sou o homem, sou negra parda branca verde, sou de azul, coloro-me em tons pastéis e rubro! sou rubra quero o vermelho como quero a mim.
O mundo não se divide em cor como arco iris fundem-se num só, num produto de vida, a vida não se resume a escritos esparsos a vida vai sendo sem nome nem forma.
Potência me é fórmula ponto nada mais e não revela a felicidade ou meus picos de estabilidade.
A arte não me brota do mundo sobe do profundo e o profundo não é triste,
alegre,
branco,
preto,
o profundo é.
a vida é.
afundo em mim e vasculho, sem estado de espírito sem passagem no psicólogo, todos têm.
e se o profundo é tristeza (ou qualquer outro nome inventado) sou triste
se é alegria sou alegre
se é arte sou arte
se é vida sou vida
se é morte, morri
não há explicação nisso, não há tempo certo
não há falsidade nem verdades
só há verdades
(já disse que meu paradoxo é papel)
tudo é
mas
é
.
Me agrada a doce melancolia de Manuel
é pluma funda
Sem desespero, teses, paradigmas
é libertação num mundo de casulos
Mas nós criamos asas e voamos,
espero estar
com a mesa posta, a louça lavada, a cama arrumada
a vida vivida
e inventada.


IV. EXPLICANDO TJ
é ( ) vida. me contradisse (?)
.
.
.


THE MAGIC MIRROR - MAURITS CORNELIS ESCHER

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Brincando de viver.

Esse último semestre tem me causado boas surpresas em casa. Ficar fora o dia todo me fez encontrar, com um susto, a nova cama no quarto de minha mãe. Muito melhor que a antiga (na qual aprendi a engatinhar e tantas vezes virei cambalhota). O cheiro de madeira me traz lembranças boas, de não sei onde, lembranças futuras talvez.
Hoje cheguei em casa mais cedo. O dia também me rendeu boas surpresas como ir ao dentista sem ter suado frio e sair sem meu dente ficar alto por causa da resina em excesso. Não levar choques por aquele objeto aterrorizante (o motorzinho) também foi algo relevante. O fato é que quando cheguei e, vendo que estava sozinha, passei pelos cômodos para averiguar possíveis mudanças, no quarto ‘novo’ de minha mãe me deparei com camisetinhas rabiscadas. Pensei que fossem as minhas antigas camisetas de fim de ano, com nomes dos colegas que nunca mais vi. Mas reparando melhor, vi que eram camisetas de um colégio desconhecido. O colégio de minha mãe, na cidade de Mirassol.

Pensei na idade daquelas camisetas e o que fez com que minha mãe as guardasse por tanto tempo. As camisetas são lembranças concretas. A quantidade de objetos que adquirimos (muitas vezes inúteis) nos faz parar de pensar nos objetos em si. Criamos necessidades, compramos e, quando algo nos tem valor sentimental, guardamos. Vamos juntando inúmeras lembranças concretizadas em objetos e conforme vamos adquirindo mais coisas e criamos mais sentimentos em cima destas, nos desfazemos de antigas, renovando a memória palpável. E quando não nos desfazemos (alguns têm dificuldade para isso) guardamos em caixotes ou no fundo de armários e só vamos nos deparar novamente com elas pelo acaso. Acho que foi o que aconteceu com as camisetinhas da minha mãe. Elas e ela se reencontraram por acaso e fico imaginando a reação que isso causou. Esses objetos estão separados de qualquer antigo valor utilitário, assumindo um outro papel, agora sentimental.

Essa separação entre utilitário e sentimental ou utilitário e literário ou até mesmo utilitário e reflexivo (visto em aulas de português e filosofia) me fez refletir sobre os pensamentos. Qual a utilidade da lembrança sentimental? Quando penso que é o passado que forma o presente, concordo, mas ele forma quando é presente. Depois, só ficam algumas lembranças. O conteúdo assumiria o papel de pensamento utilitário? Aprendo ciências, fórmulas e teorias para utilizar. Vestibular, provas, currículo, o trabalho são as provas concretas disso. Mas qual a prova concreta da utilidade da lembrança? Seria ela o beijo do pensamento?

Muitos questionam aqueles que guardam essas lembranças concretas dizendo que aquilo “já não serve pra nada”. É verdade. Não vou usar camisetas rabiscadas, nem brinco mais de boneca e desenvolvi alergia a ursinhos de pelúcia. Meus sapatos de quando era bebê estão aqui e eles podem servir de objeto utilitário para outros bebês, mesmo assim, não abro mão deles (principalmente minha mãe, nesse caso). Por que então guardamos? E os que jogam fora só não precisam de muletas palpáveis?

Às vezes reabro minhas agendas antigas. Analiso o quão boba eu era e faço um duro exercício mental para lembrar dos acontecimentos comentados por breves palavras rabiscadas. Leio minha própria literatura, sem utilidade nenhuma. O médico da garganta pode até ter morrido, mas relembro do dia que fui lá descobrindo ter caxumba.

Esse texto que escrevo agora, por exemplo, talvez não tenha utilidade futura. Tem agora, pois assume a forma de expressar meus pensamentos. E esse pensamento é ou não utilitário? Pode ser (o tão famoso conhecimento de mundo), mas seria até mais válido se não fosse já que nasceu de uma chama livre, que pode morrer quando bem entender.
Enquanto escrevo vou pensando no que me rodeia e no diálogo que esses objetos estabelecem entre utilitário ou não. Fotos, o violão encostado, os livros não lidos, o material do ensino médio que nunca mais abri, alguns gibis da infância, o teclado encaixotado... Tudo parece brigar sutilmente, mas de forma tão harmônica e sem dor...

Penso nos livros de arte. O que é a arte? Podemos classificá-la como saber reflexivo e criar conceitos em cima dela? E a arte que ajudou a mudar a História? Será que os que a fizeram não tentaram utilizá-las para repercutir socialmente? E as aulas que assisto, são só de um saber instrumental?

Claro que a definição desse limite não existe. E que definição é válida? Por que raios criar conceitos?
Se as lembranças têm a utilidade de criar pensamentos reflexivos ou literários mudamos então um conceito. Mas esse efeito é tão subjetivo que me parece absurdo criá-los.

E a vida? Cabe fazê-la utilitária, reflexiva, instrumental, conceitual, definitiva?
Enquanto isso, vivemos...

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Imagem do site da banda Beirut, que faz show essa sexta no Via Funchal.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Despejo II

Como gelo seco, que queima de um frio incessante. Que arde feito chama rígida de sentidos estáticos. Meus sentidos estáticos denunciam o mundo, fora de mim, como uma câmera de gás que queima o mundo que morre frio, duro feito pedra. Sendo carne venço-me em sentidos não decifráveis. E como cifra, traduzo o que sinto em palavras tão vagas e tão julgáveis. Assim, abro espaço para as temíveis criticas de cabeças ocas como a minha. Despejo então essa lava endurecida para esvaziar-me de mim. Aqueço ao saber que meu rastro está traçado em vão e percebo a invalidez da vida. Como em programas de adolescentes, finjo ser grande e madura. Como fruto preste a apodrecer ao lado dos tantos outros que caiu feito pedra, duro, frio. Minha câmera frigorífica me impede de cair, então vivo imatura e verde, feito e.t. Meus códigos já se venderam para um mundo que inventei. Eu mesmo quem fiz a troca, em que fui o prejuízo. Ao despejar combino as palavras em tons legíveis para qualquer outrem ler. E ao ler, me perco em lembranças inventadas e terceirizo-me, como couro e carne. Fui consumida por tantos outros que não conheço e exibo o couro estampado. Cansei.

Passou.

domingo, 28 de junho de 2009

Para Mia Couto.

Quando me apresentou o livro, fez o mesmo ao professor de literatura. O simulado na semana seguinte veio presenteado logo na primeira questão. Errei, por falta de atenção ou surpresa. Nunca errara nenhuma questão de português e aquilo me causou uma pequena revolta – contra o autor, até então pouco conhecido, e aquele que apresentara.
O tempo passou e nunca mais vi nas provas o nome do escritor, mas continuava o contato indireto, sem nunca ter lido.

Tarde de autógrafos.
Comes e bebes na Livraria Cultura após uma aula de redação nunca é mal para alguém que quer mudar a rotina. Veria aquele quem me apresentou o livro e que tanto gostava da leitura. Depois de pagar os absurdos 2 reais num copo de água, entrei na palestra afetada por o que me rodeava.

Foi então que pensei em tudo aquilo que sempre remoí.

Já na fila dos autógrafos, pensei nas frases prontas de impacto. Tudo para ser diferente, tudo para me destacar, para provar que escrever um livro não lançava ninguém a patamares veneráveis. Sempre contrariada por aqueles que, com teses sobre literatura específica, tremiam por dentro ao pedir, face a face, uma assinatura.
“Como é ser tratado como conhecido por aqueles que você não conhece?” foi minha primeira frase. Desencadeou-se em mim uma sobreposição de lugares. Chegou-me a cabeça que a arte era conveniente. Imagine só, lançar um livro de sucesso e no mesmo momento, uma mobilização de papéis escreverem sobre o modo de alguém escrever. Era preciso desvendar o mistério da diferença, para que, de boca em boca, fosse contado os segredos ouvidos por terceiros e assim pudéssemos nos apoiar nessas sutilezas de caráter alheio.
Se o meu caráter for um retalho de segredos que ouvi, para me apoiar em comparações de esperança, quero então descobrir o que vem dentro desse pano, o que essa colcha esquenta, o que é meu.
E repelir os apoios, as fotografias, os autógrafos, a idolatria ou até mesmo a admiração, torna alguém insuportável.
Eu estava insuportável. Cada palavra que saía da minha boca era escutada por mim mesmo como se fosse de outra pessoa, uma bem chata, que não gostaria de encontrar mais.
A fila andou rapidamente e todo o raciocínio, interrompido pelas curiosidades da vida do autor, foi se formando e desfazendo num constante formigar interno, como se minha boca ordenasse ao corpo que saísse de tal contradição, mas ele – inerte – seguia no andar de bois.

Decidi, já em frente à mesa, não dar meu nome. A frase já pensada viria junta, mas todo o ensaiado não sai como o planejado, mesmo insistindo. Os flashs eram muitos, o olhar de espera também e acabei balbuciando um mal educado “só seu nome”. Ganhei um rabisco.
Pensei então em outra frase. Aquelas tardias que tentamos encaixar no tempo que já foi. Ah, se pudéssemos rebobinar a vida. Ela seria feita de frases e momentos brilhantes, perfeitos, imaginários.
“Só seu nome. Vou vender pelo triplo do preço depois”.
A emissão da frase foi um escândalo! O livro era presente, e o presenteador escutou tais palavras ofendido. Insuportável. Continuava, se possível, mais insuportável. Propus que o valor do livro seria devolvido, me restando o lucro. Assim, ele poderia comprar outro livro, que continuaria sendo presente! Insuportável...
“As palavras são as mesmas! Um rabisco não fará diferença.”
Depois do meu engolir das diferenças, de aceitar o fato de precisar contrariar pra provar quem eu sou, pensei na carta.
E o ensaio se tornou real. Talvez com algumas improvisações e alguma cor a mais, ou a menos. O mundo das idéias nunca é o mundo das palavras. Fui recitando e remoendo o primeiro parágrafo, a primeira frase. O resto sairia feito enxurrada.

O único problema que já previ antes (além dos outros que pensarei depois) é a forma de entregar tal carta.
Mas se não chegar, ficará como prova viva do que fui hoje.
Amanhã relerei e tudo será quebra-cabeça.
Que me remonte diariamente.

Agradeço, então, a palavra não lida, a presença imperceptível e o quebrar de cacos que me permitiu remontar tudo, ainda mais colorido.
25/06/2009

quarta-feira, 24 de junho de 2009

O louco do piano.

Não fosse o cheiro de fezes, a música não o incomodaria.

Era de um ritmo impecável e sem perder o compasso repetia a melodia. O barulho do metrô lhe dava fundos metálicos para concertar. Aço no aço, segurava com um quase medo a fria barra de segurança, mesmo estando sentado.
Os olhares eram de repúdio. Num consenso imediato, o vagão reprovava o louco que ali cantava.

Desceu numa estação que não era a sua. Toda aquela reprovação misturava-se com o mal cheiro lhe causando enjoo. Pensou como era mais louco que o declarado, e como todo aquele fingimento era loucura. No trem seguinte, deu espaço a senhora que olhou com aprovação. O enjoo persistiu e percebeu que murmurava o ritmo circular.

Não fosse o piano ao fundo para lhe apagar os últimos traços de verdade, a sanidade o consumiria e ficaria ali, sem saber o porquê daquilo tudo.
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Still Life and Street - Maurits C. Escher

domingo, 7 de junho de 2009



I

Vivo nos intervalos,
no esperar do trem seguinte
90 segundos de consciência inconsequente.
Vivo no atraso,
na espera do próximo,
em instantes de mim mesmo
me encontrando pelos corredores,
lapsos de verdade.
Vivo na invenção do tempo
daquele que se perdeu e nunca mais voltou.
Espero pacientemente a vida
E a espera consome o tempo
o tempo que não existe
e nunca existirá na realidade.
Vivo no fragmento
daqueles instantes repelíveis
Estou no quântico
no não-tempo
na não-vida
no espaço
nas rusgas da realidade
no atrito entre aquilo que não foi, mas sempre será.
Perpetuo-me no pedaço
Sem saber o que é inteiro.


II


Infinitos são os espaços que encontro dentro dos menores fragmentos de tempo.
Me agarro a eles e existo.
Os temores cessam e a espera do futuro termina, pois este tempo começa.
O presente se funde com o que virá e vivo por completo, esbanjando integridade.
Recomeço o terminado e termino o inacabável. O ajuste de tempo se dá nesse gozo de vida, nesse interminar de cores, nessa infinidade de ações, na infindável verdade.
Inefável
.
.
.
.
.
.
.
Acordo em pedra. Em concreto. Em passado.
Presa no limite da passagem, na aresta do presente. Situo-me em minúsculas proporções e me afundo no criado.
Nas verdades criadas
Na realidade do passar dos segundos infinitos
E penso na finitude dessa criação
No material dessa criação
no elemento dessa criação
na divisão dessa
no limitar dessa
no afundar
concreto.



Quadro:
Convex & Concave - Maurits C. Escher