quinta-feira, 24 de setembro de 2009


I. DA TRISTEZA
Não quero inventar tristeza para ser aquilo que pensam que sou.
Meus olhos denunciam tudo.
Não preciso ser chumbo para viver como aquilo que pensei ser
Vou ser aquilo que sou
inventando sorrisos e lágrimas
sem remeter ao homem primeiro que instituiu as malditas sensações que só ele sentiu.


II. DA FELICIDADE
Não quero inventar alegria para ser aquilo que pensam que sou.
Meus olhos denunciam tudo.
Não preciso ser oca para viver como aquilo que pensei ser
Vou ser aquilo que sou
inventando lágrimas e sorrisos
sem remeter ao primeiro homem que instituiu as alheias sensações sentidas só por ele.


III. DESQUADRICULANDO OU DA PALAVRA
Teses mostram-me as verdades do mundo, não as minhas, minha tristeza é felicidade, minha lágrima é alegria, não sei o que sinto mas sinto, chorar e rir me é redundância, meus paradoxos são apenas papel, tudo que sou é, sou tudo que é, sou a noite sou a lua sou o homem, sou negra parda branca verde, sou de azul, coloro-me em tons pastéis e rubro! sou rubra quero o vermelho como quero a mim.
O mundo não se divide em cor como arco iris fundem-se num só, num produto de vida, a vida não se resume a escritos esparsos a vida vai sendo sem nome nem forma.
Potência me é fórmula ponto nada mais e não revela a felicidade ou meus picos de estabilidade.
A arte não me brota do mundo sobe do profundo e o profundo não é triste,
alegre,
branco,
preto,
o profundo é.
a vida é.
afundo em mim e vasculho, sem estado de espírito sem passagem no psicólogo, todos têm.
e se o profundo é tristeza (ou qualquer outro nome inventado) sou triste
se é alegria sou alegre
se é arte sou arte
se é vida sou vida
se é morte, morri
não há explicação nisso, não há tempo certo
não há falsidade nem verdades
só há verdades
(já disse que meu paradoxo é papel)
tudo é
mas
é
.
Me agrada a doce melancolia de Manuel
é pluma funda
Sem desespero, teses, paradigmas
é libertação num mundo de casulos
Mas nós criamos asas e voamos,
espero estar
com a mesa posta, a louça lavada, a cama arrumada
a vida vivida
e inventada.


IV. EXPLICANDO TJ
é ( ) vida. me contradisse (?)
.
.
.


THE MAGIC MIRROR - MAURITS CORNELIS ESCHER

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Brincando de viver.

Esse último semestre tem me causado boas surpresas em casa. Ficar fora o dia todo me fez encontrar, com um susto, a nova cama no quarto de minha mãe. Muito melhor que a antiga (na qual aprendi a engatinhar e tantas vezes virei cambalhota). O cheiro de madeira me traz lembranças boas, de não sei onde, lembranças futuras talvez.
Hoje cheguei em casa mais cedo. O dia também me rendeu boas surpresas como ir ao dentista sem ter suado frio e sair sem meu dente ficar alto por causa da resina em excesso. Não levar choques por aquele objeto aterrorizante (o motorzinho) também foi algo relevante. O fato é que quando cheguei e, vendo que estava sozinha, passei pelos cômodos para averiguar possíveis mudanças, no quarto ‘novo’ de minha mãe me deparei com camisetinhas rabiscadas. Pensei que fossem as minhas antigas camisetas de fim de ano, com nomes dos colegas que nunca mais vi. Mas reparando melhor, vi que eram camisetas de um colégio desconhecido. O colégio de minha mãe, na cidade de Mirassol.

Pensei na idade daquelas camisetas e o que fez com que minha mãe as guardasse por tanto tempo. As camisetas são lembranças concretas. A quantidade de objetos que adquirimos (muitas vezes inúteis) nos faz parar de pensar nos objetos em si. Criamos necessidades, compramos e, quando algo nos tem valor sentimental, guardamos. Vamos juntando inúmeras lembranças concretizadas em objetos e conforme vamos adquirindo mais coisas e criamos mais sentimentos em cima destas, nos desfazemos de antigas, renovando a memória palpável. E quando não nos desfazemos (alguns têm dificuldade para isso) guardamos em caixotes ou no fundo de armários e só vamos nos deparar novamente com elas pelo acaso. Acho que foi o que aconteceu com as camisetinhas da minha mãe. Elas e ela se reencontraram por acaso e fico imaginando a reação que isso causou. Esses objetos estão separados de qualquer antigo valor utilitário, assumindo um outro papel, agora sentimental.

Essa separação entre utilitário e sentimental ou utilitário e literário ou até mesmo utilitário e reflexivo (visto em aulas de português e filosofia) me fez refletir sobre os pensamentos. Qual a utilidade da lembrança sentimental? Quando penso que é o passado que forma o presente, concordo, mas ele forma quando é presente. Depois, só ficam algumas lembranças. O conteúdo assumiria o papel de pensamento utilitário? Aprendo ciências, fórmulas e teorias para utilizar. Vestibular, provas, currículo, o trabalho são as provas concretas disso. Mas qual a prova concreta da utilidade da lembrança? Seria ela o beijo do pensamento?

Muitos questionam aqueles que guardam essas lembranças concretas dizendo que aquilo “já não serve pra nada”. É verdade. Não vou usar camisetas rabiscadas, nem brinco mais de boneca e desenvolvi alergia a ursinhos de pelúcia. Meus sapatos de quando era bebê estão aqui e eles podem servir de objeto utilitário para outros bebês, mesmo assim, não abro mão deles (principalmente minha mãe, nesse caso). Por que então guardamos? E os que jogam fora só não precisam de muletas palpáveis?

Às vezes reabro minhas agendas antigas. Analiso o quão boba eu era e faço um duro exercício mental para lembrar dos acontecimentos comentados por breves palavras rabiscadas. Leio minha própria literatura, sem utilidade nenhuma. O médico da garganta pode até ter morrido, mas relembro do dia que fui lá descobrindo ter caxumba.

Esse texto que escrevo agora, por exemplo, talvez não tenha utilidade futura. Tem agora, pois assume a forma de expressar meus pensamentos. E esse pensamento é ou não utilitário? Pode ser (o tão famoso conhecimento de mundo), mas seria até mais válido se não fosse já que nasceu de uma chama livre, que pode morrer quando bem entender.
Enquanto escrevo vou pensando no que me rodeia e no diálogo que esses objetos estabelecem entre utilitário ou não. Fotos, o violão encostado, os livros não lidos, o material do ensino médio que nunca mais abri, alguns gibis da infância, o teclado encaixotado... Tudo parece brigar sutilmente, mas de forma tão harmônica e sem dor...

Penso nos livros de arte. O que é a arte? Podemos classificá-la como saber reflexivo e criar conceitos em cima dela? E a arte que ajudou a mudar a História? Será que os que a fizeram não tentaram utilizá-las para repercutir socialmente? E as aulas que assisto, são só de um saber instrumental?

Claro que a definição desse limite não existe. E que definição é válida? Por que raios criar conceitos?
Se as lembranças têm a utilidade de criar pensamentos reflexivos ou literários mudamos então um conceito. Mas esse efeito é tão subjetivo que me parece absurdo criá-los.

E a vida? Cabe fazê-la utilitária, reflexiva, instrumental, conceitual, definitiva?
Enquanto isso, vivemos...

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Imagem do site da banda Beirut, que faz show essa sexta no Via Funchal.