quarta-feira, 24 de junho de 2009

O louco do piano.

Não fosse o cheiro de fezes, a música não o incomodaria.

Era de um ritmo impecável e sem perder o compasso repetia a melodia. O barulho do metrô lhe dava fundos metálicos para concertar. Aço no aço, segurava com um quase medo a fria barra de segurança, mesmo estando sentado.
Os olhares eram de repúdio. Num consenso imediato, o vagão reprovava o louco que ali cantava.

Desceu numa estação que não era a sua. Toda aquela reprovação misturava-se com o mal cheiro lhe causando enjoo. Pensou como era mais louco que o declarado, e como todo aquele fingimento era loucura. No trem seguinte, deu espaço a senhora que olhou com aprovação. O enjoo persistiu e percebeu que murmurava o ritmo circular.

Não fosse o piano ao fundo para lhe apagar os últimos traços de verdade, a sanidade o consumiria e ficaria ali, sem saber o porquê daquilo tudo.
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Still Life and Street - Maurits C. Escher

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